Identidade e diversidade no Brasil da crise política
Por Gustavo Oyadomari
Antes, com manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Agora, com atos contra o novo presidente Michel Temer. A crise política vivida no Brasil desde 2015 pode ser sentida pelo termômetro das ruas. Os dois diferentes grupos, alternando entre si suas posições como pró e contra, têm lotado as ruas em enormes manifestações com o intuito de defenderem seus posicionamentos políticos.
Emergindo dessa gigantesca onda de manifestações está a formação da identidade política de cada cidadão. Definir um posicionamento ideológico como de direita ou de esquerda já é deveras complicado a partir do momento em que a base teórica para isso é, por muitas vezes, ignorada e desconhecida. Como se isso já não fosse o bastante, a reprodução do discurso familiar, da escola e a desconstrução de tais pensamentos a partir de reflexões são ações difíceis de serem feitas.
A origem dos termos “direita” e “esquerda”, no contexto político, é da Revolução Francesa, quando os simpatizantes do rei estavam à direita e os favoráveis a uma revolução se posicionavam à esquerda do presidente da Assembleia Nacional. Atualmente, a gênesis das palavras é pouco relembrada, porém, os termos são muito utilizados. Os motivos de o serem, contudo, são pouco sabidas, visto que é comum pessoas se prenderem a algum lado sem saber, ao certo, a teoria que está por trás disso.
FORA TEMER
Pode-se considerar que os manifestantes que atualmente vão às ruas contra o governo Temer são pessoas auto rotuladas como de esquerda. Muitas estão nas ruas em luta pela nossa jovem, fraca e parcial democracia; outros, por acreditarem que o impeachment foi um golpe em seu conteúdo, apesar de não em sua forma; há também quem considera – apesar dos comentários de que “quem votou em Dilma, votou em Temer” – as medidas neoliberais implementadas pelo governo do peemedebista como um novo projeto, completamente diferente daquele apresentado pelo PT nas eleições de 2014, e por isso, e também pelos outros motivos, bradam “Fora, Temer” na capital paulista.
As manifestações começam também a levantar a bandeira das “Diretas Já!”. A convocação de novas eleições é discutida como uma Proposta de Emenda à Constituição, mas dificilmente sairá do papel. A ideia dos manifestantes é de que o governo atual não foi eleito pelo povo e, assim, de forma democrática, deve deixá-lo, mais uma vez, decidir quem deve ser o presidente da república após a destituição de Dilma Rousseff. Há, entretanto, entre os próprios manifestantes, pessoas contrárias à tal ideia.
É o caso de Ulysses Szjanbok Faria, 23 anos, estudante de Filosofia da Universidade de São Paulo. Integrante do Coletivo Democracia Corinthiana, o universitário se posiciona contrário as Diretas Já por entender que a saída de Temer seria democrática apenas quando a volta da ex presidenta. “Eu fui às manifestações no começo, mas agora não estou indo mais, pois não consigo me alinhar a quem pede as Diretas Já, vai contra tudo o que eu estive lutando durante o processo do golpe”. Marxista, ele se diz de esquerda por considerar as questões sociais como prioridade e aponta que, no capitalismo, isso não é possível, uma vez que a vontade do capital fala mais alto.
Também marxista, o estudante de arquitetura da USP, João Pedro Laginha, 20 anos, entende que o processo de impeachment foi constitucional em sua forma, apesar de que, no conteúdo, foi uma articulação da direita para retomar o poder sem respeitar os fundamentos da democracia. “Sempre me posicionarei contra a direita, ainda mais após um golpe, pois o capitalismo se sustenta em desigualdades e injustiças que não podem ser superadas a não ser pela destruição dessa própria estrutura”
Pedro Rubens Santos, 19 anos, estudante de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica, acredita que as desigualdades e injustiças promovidas e garantidas pelo capitalismo devem ser combatidas através de políticas públicas. “O primeiro objetivo de um governo deve ser lutar pela sobrevivência e direitos dos mais pobres. Esse governo atual implementou uma política muito diferente do projeto feito pelo PT nos últimos anos e eleito pelo povo”.
O professor de matemática da rede estadual Alfredo Neto, 32 anos, sentiu na pele as medidas tomadas pelo governo Alckmin nas escolas públicas. “O governo do PSDB começou a tirar vários direitos dos professores, além das más condições de trabalho e salário ruim”. Neto se considera de esquerda por considerar que o governo deve garantir saúde, educação e transporte público ao povo, além de ser contra a privatização e terceirização, medidas essas que, segundo ela, “só são tomadas por governos de direita”.
TCHAU, QUERIDA
Na contramão dos manifestantes que consideram a chegada de Michel Temer ao poder como golpe estão aqueles que, auto rotulados de direita, comemoraram o impeachment de Dilma Rousseff. Revoltados com os escândalos de corrupção do antigo governo, milhões de pessoas ocuparam a Avenida Paulista, em frente à FIESP, posicionando-se contra um governo que, segundo eles, é o mais corrupto da história do Brasil.
Para Pedro Henrique Dias, 21 anos, estudante de Ciência da Computação, se considera de direita pois, em sua opinião, acredita que o Estado deve ser enxuto e mínimo, sem interferência na economia e que dê liberdade econômica aos indivíduos. “Acredito que o capitalismo, apesar de ainda ter muita desigualdade, é um modelo aonde as pessoas tem a liberdade para conduzir suas vidas, hoje podemos escolher nossas profissões, entre ser empresários ou não, entre ser proletários ou não”. Ele, contudo, faz a ressalva de que não é tão simples assim abrir um negócio próprio, mas que não se deve pensar apenas no Brasil.
Dias ainda ressalta que, apesar de não haver nenhum modelo de sucesso absoluto no capitalismo – e, para ele, no socialismo também não – o cenário do sistema econômico vigente na grande maioria do mundo é mais favorável que o socialismo devido ao livre mercado, à concorrência e ao desenvolvimento tecnológico. “Se pegarmos a indústria automobilística, veremos em países com governos de esquerda as ruas com carros velhos e muito caros, enquanto em países capitalistas a briga entre as empresas traz produtos melhores e mais tecnológicos”.
Já Igor Andreas Bettinassi, estudante de Administração na UNIP, se considera de direita por compactuar com a ideia de que, quem se deu bem na vida, é porque ralou, trabalhou e se esforçou – a meritocracia. “Mas assim, concordo em partes, pelo fato de falta oportunidades para grande parte da população”, ressalta. Ele ainda admite que, apesar de ter um posicionamento, ele não entende muito sobre política.
IDENTIDADE
A identidade política está diretamente relacionada a sua identificação com os engravatados que estão no poder. Deve-se, no entanto, precaver-se quanto à cegueira ideológica, uma vez que ela ocorrendo, a construção torna-se alienação.
As concepções sociais e econômicas influenciam diretamente na formação de um posicionamento político e, consequentemente, da identidade. Acreditar que o Estado deve ser forte ou mínimo, que o sucesso financeiro está atrelado ao esforço e que cada indivíduo deve ser livre para tomar decisões no âmbito particular são conceitos que influenciam diretamente na construção do ser político.
É necessário, no entanto, desviar-se do achismo e do senso comum e refletir acerca das diferentes consequências dessas teorias. Os pensamentos capitalistas tendem, em sua maioria, a favorecer a elite, ou seja, mantém o capital concentrado nas mãos de poucos. Não só isso, mas também visam a manutenção dos status quo.
Por ignorância ou má fé, esse discurso é comumente visto por pessoas de classe média, que não estão incluídas na lista dos beneficiados por tais medidas. Pelo contrário, estão, na maioria das vezes, entre os prejudicados.
O pensamento socialista, no entanto, é um tanto quanto utópico visto que o capitalismo é um sistema forte e instalado em todas as bases do país. Assim sendo, as políticas públicas e programas sociais têm tido o apoio daqueles que concordam com eles como uma medida de, aos poucos, diminuir o abismo entre o dominante e o dominado, seja no âmbito econômico, de gênero ou sexual.
Nota-se, portanto, que o pensamento de direita é em benefício próprio e exclusivo, enquanto o pensamento de esquerda é coletivo e inclusivo.
DIVERSIDADE
O depoimento dos entrevistados mostra que a universidade é um dos locais com maior exposição de diferentes pensamentos políticos em um mesmo ambiente. O círculo de amizades, o convívio com professores, a turma da sala e os diferentes coletivos e diretórios acadêmicos apresentam posicionamentos completamente diferentes.
É, entretanto, possível notar que, apesar dessa convivência, a tolerância com pensamentos divergentes é mais aceito quando se discorda politicamente de um amigo. Já quando a discordância parte da fala de um professor ou de ações de um diretório ou coletivo – negro, feminista, LGBT – a aceitação e a discussão sadia é bem menos comum.
A liberdade de expressão deve ser levada em conta a partir do momento em que há algum debate político. É necessário, dentro de uma democracia, que diferentes pensamentos políticos sejam respeitados por todos. É liberdade de expressão, sim, até o momento em que sua fala desrespeita os direitos de outrem.
