
Foto de Letícia Riva
A cegueira e o tempo
Por Ana Paula Zacarias
A roda do trem passa apressada pelos trilhos. Parte para a estação. Corre por sob a terra. Vai para todos os lados, todos os lugares. Os túneis do metrô de São Paulo são ricos em diversidade.
A “Linha da Cultura” tem diferentes exposições, que vão de Shakespeare à Beatles, espalhadas pelas estações de toda a cidade. Muitas pessoas, com pressa para chegar em algum lugar, não reparam nessas mostras. No entanto, existem aquelas mais curiosas que dedicam um pouquinho de seu tempo para apreciar as obras.
Na estação República do metrô, estava montada a exposição Beatles: Uma Incrível História de Sucesso por Meio de Imagens. Muitas pessoas passavam, olhavam, mas não paravam para apreciar. A mostra expunha fotos da banda em momentos de descontração e em shows.
Os poucos que paravam ali para observar eram fãs que, ao reconhecer os rostos familiares, criavam empatia e abriam mão de parte do seu tempo para admirar as obras. A diferença entre as pessoas que paravam ali era enorme. Muitos eram jovens, alguns idosos e adultos, unidos por um interesse em comum.
Em meio ao oceano de pessoas que passam por ali, uma em particular se encantou com a exposição. De cabelos castanhos na altura das orelhas. Seus olhos da mesma cor foram instigados. Flávia Alves resolve parar ao reconhecer uma de suas bandas favoritas. Em seus lábios cresce um sorriso ao contemplar as fotos.
Não é só na República que se percebe isso. Na estação Palmeias – Barra Funda também se nota que a população não repara nas obras ali expostas de graça, esperando que um curioso se atreva a tentar compreendê-la. Vários nomes andam por entre elas sem enxergar. As pessoas andam com esse véu que os atrapalha a enxergar as belezas das pequenas exposições do metrô.
Conversando com as pessoas, fica claro o que elas querem ver é o que elas enxergam. É fácil se interessar por fotos de quatro rapazes que você sabe quem são e cujas músicas são a trilha sonora da sua vida. Mas quando a arte é de protesto e quer retratar como a mulher é forçada pela sociedade a ficar calada quando sofre abuso, é difícil encontrarmos pessoas dedicando seu tempo para tal tema.
Isso impossibilita que muitos artistas bons, que não são reconhecidos, tenham o espaço. Apesar de não ser a mesma visibilidade que teriam em uma galeria ou museu. As pessoas vivem na correria em São Paulo e grande maioria delas não dedica se tempo a essas exposições. Para eles, se querem ver arte, é para isso que servem os museus. Mas os artistas “renegados” podem conquistar o coração dos poucos que diminuem a velocidade de suas vidas, pois as obras os cativaram de alguma forma. Para Flávia, a iniciativa do metrô possibilita que várias partes da cidade recebam diferentes formas de cultura, mas a falta de tempo das pessoas impede que isso seja reconhecido.
É legal ter seus ídolos, de certa forma, “perto de você”. No entanto, a exposição sobre abuso é algo que também precisa de atenção e, mesmo isso estando escancarado para sociedade, ela vira a cara e finge que não vê. Assim como a madame de scarpin preto saltita com seu nariz empinado na frente do mendigo fingindo não saber da existência dele.
A iniciativa do metrô de espalhar culturas diferentes por São Paulo é boa. Contudo, a sociedade não está pronta para isso ainda. Falta as pessoas perceberem que a vida corrida não faz bem para ninguém. Cinco minutos para ver uma pequena exposição não é muito, basta aceitar e adotar essa ideia. A cidade de São Paulo é cheia de diversidade e nada mais justo que o transporte também seja rico em cultura assim como, ou até mais, que ela.