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Singularidades

Por Juliana Cristina de Paula

 “Caixa d’água” é o apelido dado pelos moradores mais antigos àquele lugar onde costumava existir um pequeno parque com balanços de madeira, risadas infantis, calças acima do umbigo e chão de areia macia até pouco depois dos anos 90. Um dia resolveram derrubar. Ninguém sabia ao certo o que tomaria o lugar do “parquinho da caixa d’água”, mas logo se soube que a construção de largas proporções se tornaria uma “Fábrica de cultura”. A paisagem reconfigurada se tornou uma “outra casa” para quem estivesse disposto a entrar.

 Allicy Vitoria, desabrocha ao falar sobre o quanto constrói naquele lugar que chama de “seu”, onde nenhum problema pessoal atrapalha o sentimento bom que a consome ali. A menina feita de sonhos e coragem, veio do Rio Grande do Norte e pronuncia as palavras com um “R” bonito de se ouvir. Seu tom de voz, forte e imponente, quase desaparece quando ela relembra da fase de transição entre sair de onde nasceu e viveu a maior parte da vida, para morar em São Paulo, onde as pessoas falavam de um “jeito completamente diferente, com sotaques e expressões completamente diferentes”. Desde quando chegou, Allicy teve de lidar com essas diferenças, até então desconhecidas por ela, e com o tratamento que recebia dos colegas de classe por “falar arrastado”, como ela diz – “tinha dias que eu ia na diretoria chorando, porque eu não aguentava eles me zombando o tempo inteiro - isso é chato”.

Jorge Luis dos Santos, também conhece os desprazeres de ser diferente. Até os 12 anos de idade, ele estudou numa escola particular. Jorge já morava na periferia e relembra que não era aceito tanto pelo seu modo de falar, quanto pela sua aparência. Ele resolveu deixar o cabelo crescer quando sentiu que precisava de uma mudança, de uma identidade própria, além de sentir orgulho dos cabelos estilo Black Power, como uma herança cultural vinda de sua família. O “ser tratado diferente” se intensificou - “quando eu comecei a deixar o cabelo crescer, nossa... era muita piadinha, muito preconceito... era horrível! ”. Jorge também se sente visivelmente incomodado com certas experiências que acontecem comumente com ele, como entrar num ônibus e ser encarado por olhares de censura ou, até mesmo, pessoas guardando suas bolsas sob os olhares desconfiados do preconceito.

Aline Galdino enxerga a existência de muitos lugares os quais não aceitam culturas diferentes das suas. E, além disso, existe uma ideia de que os outros países sejam melhores. Portanto, “um gringo aqui, vai ser bem aceito. A cultura é diferente, mas ele vai ser bem aceito”.  Aline tem cabelos curtos, mesmo tendo sido criticada quando decidiu cortá-los. As mangas da blusa rasgadas e um All Star azul desbotado. Ela sonha em fazer dublagem – inclusive sabe imitar a voz do Mickey Mouse! Batalhadora, apesar de ouvir muito sobre a necessidade de ter uma família com maior poder aquisitivo ou que trabalhe no ramo que ela deseja, ainda assim, diz firmemente que correrá atrás disso: “até conseguir”.

Os três jovens moram em bairros periféricos, sendo que Aline e Jorge moram relativamente longe da Fábrica (em Taipas e Guarulhos, respectivamente). Eles estão se construindo culturalmente e se transformando como pessoas. Apesar dos preconceitos, incluindo xenofobia, preconceito racial e socioeconômico, esses jovens, acima de tudo, lutam. Nenhum deles acredita estar dentro dos “padrões” e todos se orgulham disso.

Eles enxergam a cultura como algo amplo e que pode ser aprendido. Para Allicy, “Qualquer cultura é válida, desde que seja aplicada da forma correta”, isso porque, apesar de ter aprendido a considerar as diferentes formas de cultura, ela convive com pessoas da mesma idade que simplesmente estão “se perdendo”. O funk, por exemplo, é considerado por ela como uma “cultura ruim”, por ter grande influência negativa na vida de jovens de sua idade. Para eles, a cultura aprendida na Fábrica (teatro, dança, música, artes visuais...) os ensina também como pessoas. Jorge, diz: “Você aprende a dividir com o próximo sem esperar o retorno. É bom pensar assim”. Allicy, bastante tímida antes do teatro, conta animada que atualmente consegue ajudar a si e aos outros simplesmente por ter perdido a vergonha. E Aline, explica que descobriu coisas que não sabia sobre si, pois aprendeu a se questionar.

Allicy deseja se graduar em moda, design de interiores e artes cênicas. Jorge pretende ganhar a vida com a dança, mas tem as artes plásticas como segundo plano. Aline planeja trabalhar com dublagem de animações, animes e desenhos animados.

 

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