Augusta multicolorida
Por Marcos Gabriel
Depois de um tempo, finalmente encontro meu destino final. Desço do ônibus lotado após andar uns dois ou três pontos. O céu já não é mais o mesmo desde que eu saí de casa. Mudou de cor já faz um tempo. Antes era azul e agora é cor-de-rosa. Durante o trajeto percebi-o mudar de tom pelo menos umas cinco vezes, e isso só acontece por aqui, nessa vasta capital paulistana. Engraçado como as coisas mudam tão rápido na vida gente. Como as coisas mais bonitas são as coisas mais diferentes. Só não as observa quem não está nem ligando pro que acontece ao seu lado. Digo isso porque não demorei a perceber quanta mudança havia naquela Rua Augusta desde o momento em que coloquei os pés pra fora do ônibus. Estou em São Paulo há cerca de três anos e nunca tinha me dado conta de como aquela simples rua, cercada por tanta coisa bacana, seria o palco de várias coisas tão diferentes. Por uns três minutos fiquei paralisado pensando por onde começar, por onde seguir, mas foram tantos rostos diferentes, tantas mudanças e tanta novidade de uma vez, que o tempo passou e mais uma vez me perdi. Minha visão rapidamente foi tomada por diferentes tons de pele e tipos de cabelos. Negros, pardos, brancos. Cabelo rosa, verde, azul e descolorido.
Mil e um passos e uma infinita aquarela de sensações foram postas à mesa dentro de mim. Observo que toda aquela multidão caminhando sentido horário ou anti-horário se torna, cada vez mais, personagens fundamentais para uma grande montagem de perfis distintos. Do outro lado da rua, existem os restaurantes, bares, baladas e salões de beleza. Cada local chama a atenção pela decoração temática e por ter públicos bem definidos e concretos. Caroline Lima, de vinte e três anos não se intimida ao andar com seu cabelo cor-de-planta quando prefere sair vestida como cosplay de personagens de animações japonesas. Seu sorriso demonstra toda sua segurança e a sua sensibilidade. Caroline é o típico perfil de alguém que daria cores aos dias mais escuros de alguém. Seu sorriso e a forma com que ela junta suas as palavras é o bastante pra que não se torna alguém comum. Ela prefere sorrir e abusar da coragem, ao ter medo de ser julgada como ‘’estranha’’. Prefere estar ali, na rua, vivendo como se esses dias fossem os últimos de sua vida, pois sabe que na Rua Augusta, ela não terá tanto problema que teria em outros locais aqui da capital. ‘’Aqui eu posso ser quem quiser’’, disse Carol.
A diferença é o ponto chave quando começo a ver que em volta de mim, além de existir tantas pessoas interessantes, existem diversas culturas e histórias a serem contadas. Cada individuo com um coração diferente. Seja de vidro, de lata ou de sensações genuínas, eram simplesmente corações. Cada um com uma história diferente pra contar. Caroline faz parte dessas histórias. Seu apartamento na Rua Augusta, ao lado da ‘’Boate Bofetada’’ é posicionado. Percebo que se trata de um apartamento bem estruturado, mas que logo em frente, existem outros lares, bem coloridos mas com uma ‘’pegada’’ bem mais simplória. Além dos contrastes de pessoas, há também outras coisas com outros tipos de valores, até financeiramente falando. A Augusta não é somente uma rua. Ela se resume em duas, mas é produzida culturalmente por milhares de pessoas todos os dias. Pelos mais corajosos personagens. Todos os dias, todos eles passam por aqueles corredores, grafites e lugares exóticos. Não é simplesmente um concreto jorrado no chão e pessoas comuns. É um cenário amplo e muito bem colorido, nos dois sentidos. Seja lá como for, caminhar por essa parte de São Paulo te abre a mente e te mostra o incomum. Seja nos sorrisos estampados das mais belas moças ou nas calças saburrosas dos homens que tiveram uma longa jornada de trabalho.
Dobro algumas esquinas e consigo concluir rapidamente o que a Rua Augusta representa. Já é tarde da noite e os botecos e baladas estão começando a lotar. Por ali, também há uma diferença musical. Pessoas mais rockeiras ou aquelas que preferem um pop-rock. A augusta nunca é ‘’um só’’. São vários. É um cardápio irregular do inusual. Enquanto caminho pelos bares cheios de almas secas, moídas pelo trabalho cansativo, encontro Vitor Godoy, de 21 anos. Ele é jovem como eu, gosta de coisas parecidas com as minhas e sempre está na Augusta por gostar de ser livre. Ele me garante que pode andar com seu namorado todos os dias, e não olhar pra trás. Mesmo com tanta confiança, ainda assim permanece com medo, mas prefere dizer que a Augusta é uma ‘’jaula livre’’, onde cada um permanece fazendo o que quiser. E realmente, ninguém pareceu incomodado com ele e com o namorado. É bacana observar que ninguém fica de fora daquela ‘’bagunça do incomum’’.
A noite chega e simplesmente a lua aparece. Linda, bem feita e com um grande tom de amarelo e dourado. Na fila do ‘’Anexo B’’, encontro Thamires Souza. Sua roupa é eclética, por combinar com alguns tons de rosa, preto e verde. O chapéu, preto também, destaca seus cabelos encaracolados que ficam do lado de fora. Atrás de Thamires, encontro mais alguns perfis de pessoas bem fora do padrão. Garotos usando salto alto, roupas bem justas e peças que seriam consideradas ‘’femininas’’ para muitas pessoas. Exatamente ‘’colado’’ no Anexo, existe o ‘’Beco 203’’, onde me encontro com Vitor Dutra, 21 anos. O seu cabelo é todo para cima e roupa preta e roxa. Tênis all star, onde todos os tons do seu look são mais escuros. O ‘’Anexo B’’ e o ‘’Beco 203’’ estão praticamente juntos. São baladas que por mais que sejam parecidas visualmente, a fila de cada uma diz respectivamente sobre seu público alvo. Enquanto na primeira toca pop, como por exemplo, Ariana Grande, Madonna e Miley Cyrus, na segunda o DJ aposta em Artick Monkeys e The Neighbourood, bandas mais indies-rock. Fico em dúvida sobre qual entrar, e acabo preferindo o ‘’Tex Bar’’. Lá dentro, encontrei Guilherme Campos. Um cara simpático e bem humorado, alterado por uma ou duas garrafas de cerveja. O bar é bem mais diferente do que as duas baladas citadas. O que encontro de primeira, são homens como Guilherme, barbudos e de camisa de cores variadas. Mais para dentro, no fundo do bar, existe um karaokê repleto de músicas a serem decoradas e repercutidas. Dentro do ‘’mini estúdio’’, há outros perfis distintos. Agora existem mulheres com tons de batons roxos, blusas escuras, cabelos diferentes, acompanhadas pelos seus barbudos inevitáveis. Casais com um tom mais ‘’vintage’’, garotos com diversas e atraentes tatuagens. Realmente, não existe um padrão concreto nos bares ou festas da Augusta.
Quem vai até a Rua Augusta volta cheio de marcas das grandes contradições de culturas que por ali semeiam. Quem vai, volta com vontade de voltar, seja pelos bares diferentes ou pelo nicho cultural que estão presentes. A cada asfalto, cabelos e culturas diferentes. É o encontro do ‘’Sentir-se livre’’, livre do ódio, do preconceito. É poder ter sua cor própria e ver que o mundo nunca se resumirá em coisas simples e pequenas. Ir até a Augusta me abriu ainda mais a mente. Respirei um ar, não tão puro, mas respirei. Respirei a diferença bem aceita, onde as pessoas se encontram e são simpáticas e alegres, de maneira fiel ao que acreditam. É o encontro de nações, indivíduos e do incomum. É ir e imaginar, olhar pro lado e ver que o mundo não se resume só naquelas velhas histórias chatas e sem vida do cotidiano comum. É observar que assim como o céu, a cada minuto tudo muda de cor. Seja a roupa ou o cabelo ou o coração de alguma pessoa dali. O importante é perceber que a cor, nunca permanece a mesma. Tive a certeza disso quando entrei no ônibus de volta pra casa e passei a observar aqueles rostos cansados de quem tem uma história dentro de si pra contar. Até breve, Rua Augusta. Aliás, somos vizinhos.