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Enraizamento: Influência da Colônia Italiana na Cultura do Paulistano

Por: Luciano Lourenço Neto

A cidade de São Paulo é um lugar polissêmico. Pessoas de diversos lugares vieram para cá com o sonho de fazer a vida. De certa forma, a capital paulista é um balaio de múltiplas culturas, sejam elas do próprio Brasil ou de países do exterior. Esse processo de enraizamento paulistano corroborou para que os habitantes daqui desenvolvessem culturas e hábitos próprios. Por mais que estranho pareça, a cidade de São Paulo pode ser considerada como um simulacro do mosaico de culturas que existe no país.

 

Dentre essas culturas, nenhuma teve tanta influencia no hábito paulistano quanto a italiana. Durante décadas os italianos foram se adaptando e criando suas próprias formas de viver no Brasil, mas principalmente em São Paulo. Por consequência de tamanha colonização, os habitantes da capital paulista acabaram sendo fator de um sincretismo de costumes e hábitos. Não é preciso ir longe para perceber o quanto a Itália está presente aqui: desde o prato de macarrão, passando por festas da colônia até os nomes das ruas.

 

 Pode-se até dizer que o paulistano segue o modus operandi dos modernistas da década de vinte do século passado: o princípio antropofágico, ou seja, engolir diversas culturas e regurgitar uma genuína do Brasil. Os habitantes de São Paulo enraizaram o que os colonos trouxeram para cá e, a partir disso, vomitaram um ser único: o italo-brasileiro. Dentre várias semelhanças também surgiram grandes diferenças.

 

 Não só no que diz respeito ao jeito de ser paulistano, a capital paulista, de forma intencional ou não, canibalizou a máxima italiana: o caos. Em uma cidade onde tudo acontece, o cenário caótico de carros, pessoas e momentos efêmeros parece ser uma receita para tudo dar errado, mas é um caos em perfeita harmonia. Almoços de domingo em família representam de fato esse caos enraizado dos habitantes de São Paulo. Não raro, conversas com tom mais alto e gesticulações são confundidas com brigas.

Visão extrangeira

Ugo Sighinolfi, 20, estudante de economia da Università di Torino, mora atualmente no Brasil em função de seu intercâmbio com a PUC-SP. Ele conta que suas primeiras impressões ao vir a São Paulo foram muito diferentes, mas com o tempo ele começou a entender o quanto a influência da Itália é forte na terra da garoa. "O ítalo-brasileiro é um ser único, de jeito único. O brasileiro enraizou a cultura dos oriundi e criaram outra, mais malandra (no bom sentido da palavra), mas sem perder os costumes de lá”, reflete Sighinolfi.

 

Além disso, Ugo explica que muitas das tradições hoje aqui ainda existentes foram perdidas em sua terra. “Quando fui ao Bixiga na festa da Santa Achiropita, eu não fazia ideia do que era aquilo. Achei tudo meio estranho mas ao mesmo tempo maravilhoso, nunca imaginaria ver uma celebração que outrora era comemorada em meu país sendo perpetuada aqui em São paulo”, lembra Sighinolfi.

 

Antropologia da identidade ítalo-brasileira

Guilherme de Franco, 35, historiador e antropólogo, explica o porquê das tradições e dos costumes italianos terem sido enraizados e hibridizados pelos brasileiros e de uma forma mais preponderante em São Paulo. Para ele isso ocorreu devido à forma como o incentivo à colonização foi feita. “O Brasil vivia no fim do século XIX uma pressão enorme das potências européias, principalmente a Grã-Bretanha para por um fim na escravidão no país. Com isso, o governo usou como pretexto o “branqueamento” da população brasileira, trazendo colonos da europa, principalmente da Itália”, contextualiza Franco. 

 

 Ainda, ele elucida o fato de existirem rituais e manifestações culturais ítalo-brasileiros e não mais na Itália em função do desfecho do processo de colonização. “Não podemos nos esquecer que a maior comunidade italiana fora da Itália está no Brasil e isso se explica quando se percebe que a colônia italiana foi de certa forma, vitoriosa quando assunto é ascensão de classe. Por isso, eles se enraizaram no Brasil e, concomitantemente, perpetuaram e criaram novas formas de manifestação cultural”, reitera o historiador.

 

O jornalista e historiador Ernani da Silva Bruno retrata em seu livro “História e tradições da cidade de São Paulo” o espanto de um mineiro ao conhecer São Paulo em 1902: “Os meus ouvidos e os meus olhos guardaram cenas inesquecíveis. Não sei se a Itália o seria menos em São Paulo. No bonde, no teatro, na rua, na igreja, fala-se mais o idioma de Dante que o de Camões. Os maiores e mais numerosos comerciantes e industriais eram italianos.”

 

 Além do mineiro, Ernani também conta que um jornalista português ao vir à cidade na mesma época, não se conseguiu fazer entender por vários chocheiros de tílburi, todos falando dialetos peninsulares e gesticulando como em Nápoles. Por fim o jornalista lusitano ainda faz uma divagação se por um estranho fenômeno ele ao invés de descer em São Paulo não teria ido parar à Cidade de Vesúvio.

 As impressões do mineiro e do português, retratadas pelo historiador Ernani da Silva Bruno, permitem fazer algumas conclusões acerca do enraizamento da cultura italiana em São Paulo. Embora atualmente seja difícil encontrar em qualquer canto alguém falando o idioma de Dante, o que perpetuou foi a essência. Seja no Brás, Bixiga ou Barra Funda, existe vários pedaços do caos maravilhoso espalhados por São Paulo. Tamanha instalação da colônia italiana na capital paulista fez com que novas formas de manifestação cultural e de viver acabassem surgindo. Quem habita São Paulo é Brasil, é Itália mas acima de tudo é paulistano.

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