São Paulo imigrante e a visão do estrangeiro
462 anos de diversidade em São Paulo podem explicar sua essência mista e bastante conturbada
Por Giovanni Antonelli
Não é possível falar dos imigrantes de São Paulo antes de entender o contexto que o país vivia há quase 500 anos. Por volta de 1530, o povo português iniciou o plantio de cana-de-açúcar. Entretanto, o estopim da imigração veio apenas em 1818 com inúmeras nacionalidades, culturas e vivência trazidas do continente europeu.
Nesse período, alemães, espanhóis, italianos, japoneses, portugueses, sírios e turcos disseminavam o costume europeu na cidade. Os imigrantes que não seguiam para interior rumo aos cafezais se instalaram em alguns bairros. Bom Retiro, Braz, Bixiga e Barra Funda foram pioneiros na concentração de estrangeiros em São Paulo.
O começo para os antigos imigrantes pode ser comparado com a dificuldade que os imigrantes atuais passam, principalmente vindos da América Latina e da África.
Se por um lado a jornada de trabalho era exaustiva (12 horas diárias) e com divisões de tarefas parecidas com as dos escravos, hoje quem vem sem ter um norte definido acaba virando camelô no centro ou é explorado com algum trabalho em lojas de costura. O ponto em comum dos imigrantes africanos e latino americanos de hoje e dos europeus antigos é que muito dificilmente prosperariam com a nova realidade.
Gráfico de imigrações entre 1884 e 1933:
Kaylan Connell, 19 anos, morou em São Paulo durante 6 meses. Estudante de administração na faculdade Victoria British Columbia, a canadense conta que a experiência mais marcante que viveu em São Paulo foi presenciar as diferença de classes sociais. "Isso abriu muito minha cabeça, pois em meu país eu nunca havia visto uma divisão tão chocante entre as pessoas que vivem na pobreza e pessoas de classe média", disse.
O relato da estudante estrangeira só foi possível graças a um intercâmbio de três jovens paulistas ao Canadá. Kaylan explica que as jovens compartilharam experiências da cidade no tempo em que moraram no exterior e explora a importância da mistura de culturas entre diferentes públicos. "Eu vivi em São Paulo uma experiência muito rica. Há um contraste muito grande da minha cidade natal com São Paulo, aí as pessoas são extremamente receptivas, dançam muito, se expressam facilmente.. No Canadá as coisas não acontecem do mesmo jeito", contou.
Leandro da Silva Alonso, 35 anos, mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concorda com a importância da visão estrangeira atual “É interessante perceber de que modo àqueles que vieram de fora podem ver São Paulo, mas quando utilizamos deste tipo de linguagem, devemos fazer as devidas ressalvas, críticas e perspectivas acerca da cidade”. Alonso analisa os imigrantes pioneiros e faz um ressalva com os imigrantes atuais. "É claro que o contexto de trabalho semiescravizado para o imigrante é um fator que atrasou o desenvolvimento não só deles como também da cidade e que hoje é uma prática presente com outros imigrantes como por exemplo bolivianos que fazem trabalhos em condições precárias na cidade", afirmou.
Pouco é feito a favor dos imigrantes que hoje passam por muitas dificuldades. Mas a questão do desinteresse atual é ambígua já que parte de um pressuposto histórico geral e não apenas localizado. “O historiador Eric Hobsbawm apontou, no prefácio de A Era dos Extremos, que um dos fenômenos mais lúgubres da contemporaneidade é a desconexão do presente com o passado, transformando a própria existência num presente contínuo esgotando-se nele mesmo. Dessa forma, creio que o desinteresse com a História, seja ela distante do ser ou até mesmo de sua ascendência é um fenômeno geral” afirmou Leandro Alonso.
São Paulo é de longe a cidade que atraiu mais imigrantes para o Brasil. Estima-se que de 4,5 milhões de imigrantes que aqui chegaram entre o final do século XIX e durante o século XX, 3 milhões aportaram na cidade de Santos. A maioria tinha como destino o interior paulista. Os que ficaram pela cidade lapidaram as novas características e construíram seu novo retrato.
