Colo de um nortista
Alex, a essência das histórias da Casa Amarela
Por Victória Navarro
Entre portas e janelas espalhadas pela capital paulista, existem milhares de histórias que ainda não foram lidas. Histórias que, por algum motivo, ainda não foram estudadas. Assim, ao andar em meio à multidão que sempre, ou quase sempre, é coberta pelas fumaças expelidas por carros ou caminhões, não é possível imaginar o quão interessantes as pessoas são. Basta olhar mais profundamente, olhar para o outro lado da rua e parar um minuto para prestar atenção como esses livros, repletos de momentos, estão postos aí, bem na estante da vida.
Esse é o caso da Casa Amarela, uma ocupação cultural e de Alex, seu líder. Uma história que não poderia ser escrita se não fosse pela existência das texturas das emoções que o espaço carrega, repleta de personagens curiosos e com um roteiro em construção. Com um início e meio bem definidos, mas sem um fim. Enredo que vai muito além da diversidade de nacionalidades, orientação sexual e cor de pele. Um lugar e uma pessoa capazes de carregarem a essência de uma parte da população esquecida, uma população que precisa de afeto e atenção.
Quando Belém do Pará deixou de ser lar e passou a ser memória, Alex Assunção, 24 anos, não tinha noção das marcas que ele iria começar a deixar na metrópole e na vida das pessoas. Abandonar o conforto do conhecido e passar a mergulhar-se no desconhecido foi uma alternativa árdua. Acertou em cheio, mas não de primeira. Precisou converter-se a um ritmo acelerado junto à São Paulo. Até que percebeu que estava no caminho certo quando a sua força de vontade sobre a luta pela igualdade se tornou realidade ao ter participado de um projeto cultural junto ao grupo Todo Mundo 13 (TM13).
Então, Alex ergueu com os muros da Casa Amarela histórias completas de mistas sensações, onde todos os personagens foram se tornando cada vez mais próximos. Moradores sem sobrenomes, em razão da falta de convívio com as suas famílias biológicas, foram resgatados por ele. Saíram de um poço de escuridão para enxergar como o clarão do lado de fora também valia a pena. Alex é muito além do que só um protagonista, mas sim, um enredo repleto de boas memórias a serem contadas. Ele foi tornando-se cada vez mais um abrigo, um próprio lar.
Quem se atreve a atravessar a rua e adentrar a Casa Amarela, passando pelo velho e cinzento portão, depara-se com um mix de diferentes impactos. Surpreende-se, ainda mais, quem insiste em rodear os antigos cômodos, ocupados por pessoas de diferentes tipos. Olhares curiosos, concentrados, prontos para enfrentar os desafios da vida. Cabeças entrelaçadas em sonhos e objetivos finais. Pessoas que poderiam ter continuado do lado de fora da casa, desconhecidas, porém, que foram resgatadas para serem figuras fundamentais nesse roteiro.
Robert, 21 anos, é uma dessas personalidades. Seu rosto moreno reflete nos vitrais azuis do terraço do andar de cima, onde sua trajetória pode ser muito bem acompanhada pelos interesses atentos de quem ousa ouvir. Seu primeiro trabalho como dançarino foi na Escola Municipal de Bailado, no Vale do Anhangabaú em parceria com o grupo TM13. Resistiu várias vezes até ser expulso de uma antiga ocupação, contudo, por ventura encontrou Alex. O protagonista ajudou Robert a descobrir a Casa Amarela, dando-o oportunidades para expressar-se em meio à arte, realizando oficinas de dança e fazendo colares a mão.
Além da arte, o amor também prevalece. Os grafites coloridos são indícios de que ali há cor. Se há cor, há amor. A prova disso dá-se em Mariane e Carlos, sentados juntos na escada da casa, enquanto o olhar apaixonado fica estampado no rosto de ambos. Ela, menina ou mulher, 18 anos, foi escolhida por Alex e deixou para trás os erros de um passado obscuro, procurando andar junto aos belos caminhos que a gigante Casa Amarela a proporcionou. A amizade entre os dois é fundamental para que ela se encaixe, sempre mais, nos gigantes muros desse lar.
Porém, Carlos, 18 anos, construiu erros maiores. Experimentou de todo tipo de transgressão, mas encontrou os trilhos que o levaram para a Casa Amarela, guiado por Alex. Saiu da rua cativado pela capoeira, oficinas de mandalas e pelo ofício de fazer rosas de bambu junto de sua esposa, Mariane.
Entre todos os andares da Casa Amarela, existe um pouco do responsável pela integração social. Um pouco de arte, de cor e de vida. Os grafites não julgam a aparência, mas sim o caráter, a força de vontade e a determinação. Alex é mais que um herói, é um protetor. O carinho transparece em seu rosto nortista. A dor ficou para trás e o futuro progressivo está nos planos de cada ocupante, basta olhar um pouco mais a fundo. Vale a pena parar alguns minutos e prestar atenção nessas histórias que estão bem aí, repletas de contos interessantes, bem na estante da vida.
Além disso, é preciso conhecer a Casa Amarela para perceber que o protagonista teve força de encaixar-se em um mundo incerto. Sua garra conquistou um espaço fundamental no coração de cada um dos outros personagens. Os muros da Casa Amarela, junto a Alex, mostram que ali há compaixão, esperança, carinho e afeto. Todos eles, sem exceção, transformaram-se em uma família. Porque, afinal, família é onde existe amor. E amor não vê diferenças.